Decretado o Estado de Emergência, em que situações posso ausentar-me do domicílio, e manter em funcionamento o meu estabelecimento comercial? Poderei ser sancionado?
Na sequência da declaração de pandemia, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), foi decretado o Estado de Emergência, recentemente renovado pelo Decreto n.º 2-C/2020, de 17 de Abril, o qual regulamenta e elenca um conjunto de situações para as quais se prevê a obrigatoriedade de confinamento e restrição à livre circulação – no caso de pessoas singulares – bem como, a obrigação de encerramento de estabelecimentos e suspensão de atividades no âmbito do comércio e prestação de serviços – no caso de pessoas coletivas.
Da conjugação do referido diploma com o Código Penal (art. 348.º), o Regime do Estado de Sítio e do Estado de Emergência (art. 7.º) e a Lei de Bases da Proteção Civil (art. 6.º), resulta a possibilidade de qualquer cidadão poder vir a incorrer em pena de prisão ou em pena de multa, quer seja por via direta, como consequência imediata da violação das imposições decorrentes do Estado de Emergência, quer seja por via indireta, por desobediência às determinações emitidas por parte das forças de segurança.
Sem prejuízo, poderão surgir eventuais situações de desproporcionalidade e/ou desadequação na aplicação de sanções ou, até mesmo, a ocorrência de detenções ilegais, porquanto não é toda e qualquer violação que implica o cometimento de um ilícito criminal, sendo recomendável, por isso, uma análise cuidada do caso concreto.
Importa, por isso, conhecer quais os casos em que a circulação em espaços e vias públicas está limitada ou impedida, bem como, quais os estabelecimentos que estão obrigados a suspender a sua atividade ou a encerrar o seu estabelecimento.
No que diz respeito às pessoas singulares, existem três tipos de limitações:
a) Confinamento obrigatório;
b) Dever especial de proteção;
c) Dever geral de recolhimento domiciliário.
Assim, ficam expressamente obrigadas ao confinamento obrigatório em estabelecimento de saúde, no respetivo domicílio ou noutro local definido pelas autoridades de saúde, os seguintes sujeitos:
a) Os doentes com COVID-19 e os infetados com SARS-Cov2;
b) Os cidadãos relativamente a quem a autoridade de saúde ou outros profissionais de saúde tenham determinado a vigilância ativa (isto é, aqueles que, com grande probabilidade, já estarão, ou ainda estarão infetados).
Pelo que, a circulação nos espaços e vias públicas, por banda destes sujeitos, está absolutamente proibida.
Quanto ao dever especial de proteção, a situação já não é impositiva, tratando-se antes de uma espécie de recomendação com carácter especial, para os sujeitos considerados como sendo de maior risco:
a) Os maiores de 70 anos;
b) Os imunodeprimidos e os portadores de doença crónica que, de acordo com as orientações da autoridade de saúde devem ser considerados de risco, designadamente, os hipertensos, os diabéticos, os doentes cardiovasculares, os portadores de doença respiratória crónica e os doentes oncológicos.
Em linhas gerais, estes sujeitos só podem circular em espaços e vias públicas, ou em espaços e vias privadas equiparadas a vias públicas, para algum dos seguintes propósitos:
a) Aquisição de bens e serviços;
b) Deslocações por motivos de saúde, designadamente para efeitos de obtenção de cuidados de saúde;
c) Deslocação a estações e postos de correio, agências bancárias e agências de corretores de seguros ou seguradoras;
d) Deslocações de curta duração para efeitos de atividade física, sendo proibido o exercício de atividade física coletiva;
e) Deslocações de curta duração para efeitos de passeio dos animais de companhia;
f) Outras atividades de natureza análoga ou por outros motivos de força maior ou necessidade impreterível, desde que devidamente justificados.
Por fim, igualmente, o dever geral de recolhimento domiciliário, tem valor de recomendação com carácter geral. Este dever é aplicável à generalidade da população e, bem assim, a quem não se encontrar abrangido pelas situações referidas supra. Estes sujeitos apenas poderão circular em espaços e vias públicas (ou equiparadas), para algum dos seguintes propósitos:
a) Aquisição de bens e serviços;
b) Deslocação para efeitos de desempenho de atividades profissionais ou equiparadas;
c) Procura de trabalho ou resposta a uma oferta de trabalho;
d) Deslocações por motivos de saúde, designadamente para efeitos de obtenção de cuidados de saúde e transporte de pessoas a quem devam ser administrados tais cuidados ou dádiva de sangue;
e) Deslocações para acolhimento de emergência de vítimas de violência doméstica ou tráfico de seres humanos, bem como de crianças e jovens em risco, por aplicação de medida decretada por autoridade judicial ou Comissão de Proteção de Crianças e Jovens, em casa de acolhimento residencial ou familiar;
f) Deslocações para assistência de pessoas vulneráveis, pessoas com deficiência, filhos, progenitores, idosos ou dependentes;
g) Deslocações para acompanhamento de menores:
i) Em deslocações de curta duração, para efeitos de fruição de momentos ao ar livre;
Ii) Para frequência dos estabelecimentos escolares e creches, ao abrigo do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, na sua redação atual;
h) Deslocações de curta duração para efeitos de atividade física, sendo proibido o exercício de atividade física coletiva;
i) Deslocações para participação em ações de voluntariado social;
j) Deslocações por outras razões familiares imperativas, designadamente o cumprimento de partilha de responsabilidades parentais, conforme determinada por acordo entre os titulares das mesmas ou pelo tribunal competente;
k) Deslocações para visitas, quando autorizadas, ou entrega de bens essenciais a pessoas incapacitadas ou privadas de liberdade de circulação;
l) Participação em atos processuais junto das entidades judiciárias;
m) Deslocação a estações e postos de correio, agências bancárias e agências de corretores de seguros ou seguradoras;
n) Deslocações de curta duração para efeitos de passeio dos animais de companhia e para alimentação de animais;
o) Deslocações de médicos-veterinários, de detentores de animais para assistência médico-veterinária, de cuidadores de colónias reconhecidas pelos municípios, de voluntários de associações zoófilas com animais a cargo que necessitem de se deslocar aos abrigos de animais e serviços veterinários municipais para recolha e assistência de animais;
p) Deslocações por parte de pessoas portadoras de livre-trânsito, emitido nos termos legais, no exercício das respetivas funções ou por causa delas;
q) Deslocações por parte de pessoal das missões diplomáticas, consulares e das organizações internacionais localizadas em Portugal, desde que relacionadas com o desempenho de funções oficiais;
r) Deslocações necessárias ao exercício da liberdade de imprensa;
s) Retorno ao domicílio pessoal;
t) Participação em atividades relativas às celebrações oficiais do Dia do Trabalhador, mediante a observação das recomendações das autoridades de saúde, designadamente em matéria de distanciamento social, e organizadas nos termos do n.º 6 do artigo 46.º;
u) Outras atividades de natureza análoga ou por outros motivos de força maior ou necessidade impreterível, desde que devidamente justificados;
v) Deslocações para reabastecimentos em postos de combustível.
Ora, em bom rigor, apenas a violação da imposição de confinamento obrigatório é cominada diretamente com o crime de desobediência, p. p. pelo art. 348.º do Código Penal. Para os infratores desta obrigação de confinamento, as penas de prisão e de multa previstas no referido diploma, serão agravadas em um terço, podendo ser fixada pena de prisão até 1 ano e 4 meses, ou pena de multa até 160 dias. Quem infringir a obrigação de confinamento poderá incorrer, igualmente, num crime de propagação de doença, p. p. pelo art. 283.º do Código Penal. Estes infratores poderão ter de cumprir até 5 anos de prisão.