Decretado o Estado de Emergência, em que situações posso ausentar-me do domicílio, e manter em funcionamento o meu estabelecimento comercial? Poderei ser sancionado?2

Decretado o Estado de Emergência, em que situações posso ausentar-me do domicílio, e manter em funcionamento o meu estabelecimento comercial? Poderei ser sancionado?

Na sequência da declaração de pandemia, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), foi decretado o Estado de Emergência, recentemente renovado pelo Decreto n.º 2-C/2020, de 17 de Abril, o qual regulamenta e elenca um conjunto de situações para as quais se prevê a obrigatoriedade de confinamento e restrição à livre circulação – no caso de pessoas singulares – bem como, a obrigação de encerramento de estabelecimentos e suspensão de atividades no âmbito do comércio e prestação de serviços – no caso de pessoas coletivas.
Da conjugação do referido diploma com o Código Penal (art. 348.º), o Regime do Estado de Sítio e do Estado de Emergência (art. 7.º) e a Lei de Bases da Proteção Civil (art. 6.º), resulta a possibilidade de qualquer cidadão poder vir a incorrer em pena de prisão ou em pena de multa, quer seja por via direta, como consequência imediata da violação das imposições decorrentes do Estado de Emergência, quer seja por via indireta, por desobediência às determinações emitidas por parte das forças de segurança.
Sem prejuízo, poderão surgir eventuais situações de desproporcionalidade e/ou desadequação na aplicação de sanções ou, até mesmo, a ocorrência de detenções ilegais, porquanto não é toda e qualquer violação que implica o cometimento de um ilícito criminal, sendo recomendável, por isso, uma análise cuidada do caso concreto.
Importa, por isso, conhecer quais os casos em que a circulação em espaços e vias públicas está limitada ou impedida, bem como, quais os estabelecimentos que estão obrigados a suspender a sua atividade ou a encerrar o seu estabelecimento.

Quanto às pessoas coletivas, existem limitações obrigatórias, sub-divididas em três grupos:
a) Encerramento de instalações e estabelecimentos;
b) Suspensão de atividades no âmbito do comércio a retalho;
c) Suspensão de atividades no âmbito da prestação de serviços.

Assim, é obrigatório o encerramento da seguintes instalações e estabelecimentos:
i. Atividades recreativas, de lazer e diversão: discotecas, bares e salões de dança ou de festa, circos, parques de diversões e parques recreativos para crianças e similares, parques aquáticos e jardins zoológicos, quaisquer locais destinados a práticas desportivas de lazer;
ii. Atividades culturais e artísticas: auditórios, cinemas, teatros e salas de concertos, museus, monumentos, palácios e sítios arqueológicos ou similares, bibliotecas e arquivos, praças, locais e instalações tauromáquicas, galerias de arte e salas de exposições, pavilhões de congressos, salas polivalentes, salas de conferências e pavilhões multiúsos;
iii. Atividades desportivas, salvo as destinadas à atividade dos praticantes desportivos profissionais e de alto rendimento, em contexto de treino: campos de futebol, rugby e similares, pavilhões ou recintos fechados, pavilhões de futsal, basquetebol, andebol, voleibol, hóquei em patins e similares, campos de tiro, courts de ténis, padel e similares, pistas de patinagem, hóquei no gelo e similares piscinas, ringues de boxe, artes marciais e similares, circuitos permanentes de motas, automóveis e similares, velódromos, hipódromos e pistas similares, pavilhões polidesportivos, ginásios e academias, pistas de atletismo, estádios, campos de golfe;
iv. Atividades em espaços abertos, espaços e vias públicas, ou espaços e vias privadas equiparadas a vias públicas: pistas de ciclismo, motociclismo, automobilismo e rotas similares, provas e exibições náuticas, provas e exibições aeronáuticas, desfiles e festas populares ou manifestações folclóricas ou outras de qualquer natureza;
v. Espaços de jogos e apostas: casinos, estabelecimentos de jogos de fortuna ou azar, como bingos ou similares, salões de jogos e salões recreativos;
vi. Atividades de restauração: restaurantes e similares, cafetarias, casas de chá e afins, bares e afins, bares e restaurantes de hotel, esplanadas, máquinas de vending;
vii. Termas e spas ou estabelecimentos afins.

Já a suspensão de atividades de comércio e prestação de serviços é de aplicação geral, prevendo-se as seguintes exceções: minimercados, supermercados, hipermercados, frutarias, talhos, peixarias, padarias, mercados, nos casos de venda de produtos alimentares, produção e distribuição agroalimentar, lotas, restauração e bebidas, nos termos do presente decreto, confeção de refeições prontas a levar para casa, nos termos do presente decreto, serviços médicos ou outros serviços de saúde e apoio social, farmácias e locais de venda de medicamentos não sujeitos a receita médica, estabelecimentos de produtos médicos e ortopédicos, oculistas, estabelecimentos de produtos cosméticos e de higiene, estabelecimentos de produtos naturais e dietéticos, serviços públicos essenciais e respetiva reparação e manutenção (água, energia elétrica, gás natural e gases de petróleo liquefeitos canalizados, comunicações eletrónicas, serviços postais, serviço de recolha e tratamento de águas residuais, serviços de recolha e tratamento de efluentes, serviços de gestão de resíduos sólidos urbanos e de higiene urbana e serviço de transporte de passageiros, serviços habilitados para o fornecimento de água, a recolha e tratamento de águas residuais, papelarias e tabacarias (jornais, tabaco), jogos sociais, centros de atendimento médico-veterinário, estabelecimentos de venda de animais de companhia e de alimentos e rações, estabelecimentos de venda de flores, plantas, sementes e fertilizantes e produtos fitossanitários químicos e biológicos, estabelecimentos de lavagem e limpeza a seco de têxteis e peles, drogarias, lojas de ferragens e estabelecimentos de venda de material de bricolage, postos de abastecimento de combustível e postos de carregamento de veículos elétricos, estabelecimentos de venda de combustíveis para uso doméstico, estabelecimentos de manutenção e reparação de velocípedes, veículos automóveis e motociclos, tratores e máquinas agrícolas, navios e embarcações, bem como venda de peças e acessórios e serviços de reboque, estabelecimentos de venda e reparação de eletrodomésticos, equipamento informático e de comunicações, serviços bancários, financeiros e seguros, atividades funerárias e conexas, serviços de manutenção e reparações ao domicílio, serviços de segurança ou de vigilância ao domicílio, atividades de limpeza, desinfeção, desratização e similares, serviços de entrega ao domicílio, estabelecimentos turísticos, exceto parques de campismo, podendo aqueles prestar serviços de restauração e bebidas no próprio estabelecimento exclusivamente para os respetivos hóspedes, serviços que garantam alojamento estudantil, máquinas de vending em empresas, estabelecimentos ou quaisquer instituições nos quais aquelas máquinas representem o único meio de acesso a produtos alimentares, atividade por vendedores itinerantes, atividade de aluguer de veículos de mercadorias sem condutor, atividade de aluguer de veículos de passageiros sem condutor, prestação de serviços de execução ou beneficiação das Redes de Faixas de Gestão de Combustível, estabelecimentos de venda de material e equipamento de rega, assim como produtos relacionados com a vinificação, assim como material de acomodação de frutas e legumes, estabelecimentos de venda de produtos fitofarmacêuticos e biocidas, estabelecimentos de venda de medicamentos veterinários.

Ora, no caso da suspensão, optou-se, antes, por elencar as exceções, uma vez que apenas os bens e serviços de primeira necessidade ficam garantidos, suspendendo-se, assim, toda a demais atividade, num esforço verdadeiramente coletivo.

Ao contrário do que sucede quanto às pessoas singulares – relativamente às quais nem todas as situações de violação do Estado de Emergência implicam o cometimento de um crime – no caso das pessoas coletivas, o desrespeito pelas regras de suspensão de atividades comerciais/prestação de serviços e o encerramento de estabelecimento, implicarão, necessariamente, o cometimento de um crime de desobediência por parte dos seus agentes.

Estes são os casos em que decorre do próprio Decreto n.º 2-C/2020, a sanção correspondente ao crime de desobediência. Ou seja, em que o desrespeito pelas regras impostas pelo Estado de Emergência terá como consequência direta e imediata, o cometimento de um crime. Quem for fiscalizado e se encontrar em incumprimento, poderá ser imediatamente detido.

Fora destes casos, as forças policiais apenas estarão habilitadas a deter os infratores por desobediência às suas ordens legítimas e já não por desobediência ao Estado de Emergência. A título de exemplo, o cidadão de 75 anos que (encontrando-se fora das exceções supra elencadas), for sujeito a uma operação de fiscalização, na sequência da qual receba ordens para retornar à sua residência, incorrerá num crime de desobediência se não cumprir a ordem emitida pelas forças de segurança. Pode suceder, também, que as forças policiais emitam ordem de dispersão de um ajuntamento de cidadãos, os quais poderão incorrer num crime de desobediência a ordem de dispersão de reunião pública, nos termos do disposto no art. 304.º do Código Penal, com penas que poderão ir até 2 anos de prisão ou 240 dias de multa.

Ora, estas são situações em que o cometimento do crime não está diretamente ligado ao desrespeito pelas regras do Estado de Emergência, mas antes a casos de resistência às ordens emanadas pelas autoridades, pese embora estas ordens surjam para fazer cumprir aquelas regras.

Assim, a autoridade policial não poderá deter um cidadão como consequência direta e imediata do desrespeito pelo dever geral de recolhimento domiciliário ou do dever especial de proteção. Se o fizer, estaremos perante uma detenção ilegal.

Neste conspecto, para que possa haver lugar à detenção imediata, terá de ser introduzido, no diploma que regula o Estado de Emergência (Decreto n.º 2-C/2020), a cominação de crime de desobediência como consequência direta do desrespeito pelas regras aí impostas – o que, atualmente, apenas sucede quanto ao confinamento obrigatório, suspensão de atividade comercial e encerramento de estabelecimento.